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Autoconhecimento
Somos feitos de humores
É fácil presumir que nós seres humanos somos firmes e sólidos, feitos de pedra, madeira ou (mais metaforicamente) palavras e equações algébricas. Com o tempo, contudo, a tendência é que eventualmente a gente se depare, mais cedo ou mais tarde, com uma realidade perturbadora e peculiar: na verdade, somos substancialmente feitos de água. Somos mutáveis, viscosos, sempre em fluxo, em constante mudança, escorregadios e suscetíveis a fluxos e refluxos contínuos.
Orgulhosamente projetamos uma imagem de estabilidade – e depois, praticamente todos os dias e pelos motivos mais banais, contradizemos essa ilusão. Temos certeza de que nunca mais vamos esquecer aquele amor – e esquecemos até que bem rápido. Achamos que nunca vamos superar uma perda específica, mas no fim tiramos de letra. Temos algum hobby ou interesse qye clamamos ser nossa maior identidade, até que encontramos uma obesessão nova. Temos certeza de que finalmente entendemos como viver; e depois temos que reconhecer que ainda nem começamos.
Nossas mudanças ocorrem não apenas ao longo de anos ou meses, mas também em questão de dias ou até horas. O “eu” das 7h30 da manhã de hoje – com senso de urgência e foco prático – pode se transformar em um aprendiz de monge budista às 22h30, após uma briga com o chefe, uma sessão de análise e duas taças de vinho.
Somos criaturas inevitavelmente sujeitas ao humor, que ousam se intitular pessoas cheias de convicção. Raramente corremos maior risco de cair no absurdo do que quando anunciamos que somos definitivamente uma coisa ou outra: solteiros ou comprometidos, calmos ou ansiosos, felizes ou desesperados, de um jeito ou de outro.
A certeza de que queremos jogar tudo pelos ares pode se evaporar após uma revigorante caminhada de dez minutos. Nosso estado atual de bem-estar e equilíbrio pode ser pulverizado por uma notícia avassaladora que chega trazendo preocupações inéditas, impensáveis até o dia anterior.
São os elementos menores e menos anunciados que podem estar por trás de grandes mudanças de humor. Nossa perspectiva existencial pode mudar por causa da forma como um amigo nos cumprimenta. O teor de açúcar em nosso almoço é capaz de remodelar nossas opiniões sobre o futuro de um relacionamento. Nossa perspectiva sobre o que chamamos de “vida” é frequentemente determinada pelas tarefas e obrigações que temos que cumprir nas próximas 24 horas.
Devemos nos preparar para a mudança. Nada dura muito tempo, nem mesmo na consciência. A felicidade que sentimos como parte inerente de nós pode desaparecer em questão dedias (assim como a tristeza). É a maior presunção, tanto nos estados de espírito mais elevados quanto nos mais baixos, insistir que seremos sempre assim. Tudo está em constante mudança. Somos uma colcha de retalhos rotativos de humores. Somos feitos de água.
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