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Como superar a timidez

É comum reduzirmos a falta de confiança a algo que chamamos popularmente de timidez. Porém, explorando um pouco mais abaixo da superfície desse estranho sentimento, podemos encontrar algo um tanto surpreendente. Sofrer de timidez é como sofrer de uma desconfiança de si próprio que nos dá a sensação de que as outras pessoas sempre terão bons motivos para não gostar da gente, questionar nossas preferências ou até mesmo zombar da nossa cara. Então, ficamos com medo do mundo, falamos em voz baixa, não ousamos aparecer em encontros e temos pavor de ocasiões sociais. Nossa timidez, muitas vezes está enraizada em uma sensação de que esses lugares alegres e festivos não foram feitos para nós, que não somos merecedores. 

Às vezes, a timidez pode nos dominar de uma forma tão poderosa que é tentador pensar nela como parte imutável de nossa constituição emocional, cujas raízes se estendem até a nossa personalidade, talvez até a nossa biologia. Seríamos, portanto, incapazes de extirpá-la. Mas não deveríamos pensar assim. Na verdade, a timidez é fruto de um conjunto de ideias sobre o mundo que são eminentemente passíveis de mudança por meio de um processo de raciocínio.

Isso porque a timidez está enraizada, de fato, em uma maneira específica de interpretar os estranhos. Os tímidos não são desajeitados na frente de todo mundo; eles ficam com a língua presa somente diante daqueles que parecem muito diferentes deles próprios, seja por conta de idade, classe social, gostos, hábitos, crenças, origens ou religiões. Mas essas diferenças não passam de marcadores superficiais. Sem querer ser indelicado, poderíamos definir a timidez como um “provincianismo” da mente, isto é, um apego excessivo aos incidentes da própria vida e de experiências pessoais que injustamente coloca os outros no papel de alienígenas assustadores.

Assim, ao entrar em contato com uma pessoa de outro mundo (ou “província”), os tímidos permitem que suas mentes sejam dominadas pela aura avassaladora da diferença. De forma silenciosa e desajeitada, dizem a si mesmos que não há nada a ser feito, porque o outro é famoso, enquanto eles pertencem à província dos reles desconhecidos; ou porque o outro é muito mais velho, sábio e maduro, enquanto a província deles é a dos tontos de vinte e poucos anos; ou porque o outro é muito inteligente, enquanto a província deles é a dos não-intelectuais incultos; ou porque o outro é da terra das garotas muito bonitas, enquanto eles vêm da província dos garotos de aparência mediana. E então não há motivos para rir ou fazer um comentário brincalhão, muito menos se sentir à vontade. A pessoa tímida não tem a intenção de ser desagradável ou hostil, ela simplesmente vê os outros cercados por uma barreira intransponível e, portanto, pensa que não há como se abrir e demonstrar sua verdadeira personalidade.

É de se pressupor que, na história da humanidade, a timidez tenha sido com frequência a primeira resposta para tudo. As pessoas do outro lado da colina desencadeavam esse sentimento em nós porque eram fazendeiros, enquanto nós vivíamos da pesca. Ou porque eles falavam alongando as vogais, enquanto nossa dicção era monótona e mais seca.

No entanto, gradualmente, maneiras mais mundanas e menos fechadas de se relacionar com estranhos foram surgindo – poderíamos chamar isso de “cosmopolitismo” psicológico. Nas antigas civilizações da Grécia e de Roma, motivadas por encontros cada vez maiores entre povos que viviam vidas muito diferentes e mutuamente desconhecidas, graças ao desenvolvimento do comércio e da navegação, surgiu uma alternativa à timidez. Os viajantes gregos que adoravam divindades semelhantes às humanas descobriram que os egípcios reverenciavam gatos e até alguns pássaros. Os romanos que raspavam cuidadosamente o queixo conheceram bárbaros que não o faziam. Os senadores que moravam em casas com colunas suntuosas e piso aquecido encontraram chefes que moravam em choupanas de madeira. E entre certos pensadores desenvolveu-se uma abordagem que propunha que todos esses seres humanos, independentemente do quão variados eram seus marcadores superficiais, compartilhavam um núcleo comum de humanidade – e que era para esse núcleo que a mente madura deveria se voltar, apesar da aparente alteridade. Foi a essa mentalidade “cosmopolita” que o dramaturgo e poeta romano Terêncio deu voz quando escreveu: “Sou humano: nada do que é humano me é estranho”. Da mesma forma, o cristianismo clamou o amor universal ao humano como a pedra angular de sua visão da existência.

É disso que deriva uma importante percepção: uma pessoa se torna cosmopolita não por nascer naturalmente com uma personalidade alegre ou gregária, mas porque está comprometida com uma verdade fundamental sobre a humanidade, porque sabe que, independentemente da aparência ou de outros marcadores sociais, somos todos da mesma espécie. É este o insight que o convidado de língua presa na festa ou o sedutor desajeitado no restaurante seguem implicitamente recusando.

Claro que o cosmopolita está ciente das diferenças entre as pessoas. O ponto é que ele simplesmente se recusa a se sentir intimidado ou dominado por essas diferenças e é capaz de enxergar a humanidade que está além delas. Aquele estranho à sua frente pode não ter os mesmos amigos que você, nem ter lido os mesmos livros, talvez use uma roupa estranha ou já está vivendo sua oitava década de vida, mas o cosmopolita não se intimidará com essa aparente falta de coincidências, pois tem certeza de que eventualmente tropeçará em algum ponto em comum, mesmo que sejam necessárias algumas tentativas frustradas para isso. Todos os seres humanos, por mais variada que seja sua aparência externa, são ativados por algumas dimensões básicas de preocupação. Haverá uma união de gostos, ódios, esperanças e medos, mesmo que seja apenas o amor por chutar uma bola ou em dividir uma cerveja.

O provinciano tímido é, no fundo, um pessimista. Ele tem certeza de que o progressista nunca terá assunto com um conservador, que o ateu é incapaz de se relacionar com um padre ou que o empresário ficará constrangido na presença de um socialista. O cosmopolita confiante, por outro lado, parte do pressuposto de que todas essas pessoas, apesar de possuírem pontos de vista opostos, mas sabe que isso não precisa nem deve prejudicar fatalmente a rica gama de semelhanças que podem existir em muitas outras áreas da vida.

Tradicionalmente, a posição ou o status têm sido as principais fontes de provincianismo do tímido: o camponês achava que não podia se aproximar do senhor feudal, a jovem leiteira gaguejava quando o filho do conde visitava o estábulo. Hoje em dia, feito um eco dessas inibições, a pessoa de aparência mediana sente que nunca poderia sair com alguém muito bonito, assim como o humilde tem vergonha de conversar com os muito ricos. A mente se fixa no abismo: meu nariz parece ter sido feito de massinha por uma criança, e o seu parece ter sido esculpido por Michelangelo; tenho pavor de perder meu emprego, enquanto você receia que a expansão da sua empresa para o México não seja tão lucrativa quanto o previsto.

A timidez esconde um segredo perspicaz: ela se sustenta no medo de que podemos estar incomodando alguém com nossa presença ou que o outro pode ficar insatisfeito ou decepcionado conosco. A pessoa tímida está sensivelmente alerta aos perigos de ser “menor”. E, nesse sentido, ser alguém sem nenhum traço de timidez passa a ser uma possibilidade assustadora, pois implicitamente assume uma preocupante postura de direito adquirido: pessoas desinibidas só são tão calmas e seguras de si porque não levam em conta a possibilidade crucial de que o outro pode, com razão, se decepcionar com elas. E, no entanto, na maioria dos casos, pagamos um preço desnecessariamente alto por tamanha reserva em relação a pessoas que poderiam muito bem ter aberto o coração para nós – se ao menos soubéssemos como manifestar nossa própria benevolência. Estamos apegados demais à nossa província. E é assim que o garoto cheio de espinhas não descobre que ele e aquela beldade do ensino médio compartilham o mesmo gosto pelo humor ácido e um relacionamento igualmente doloroso com o pai; o advogado de meia-idade nunca descobre que compartilha o mesmo amor por foguetes com o filho de oito anos do vizinho. Marcadores sociais superficiais continuam a impedir que pessoas humanamente muito próximas não se misturem. A timidez é uma forma comovente, porém excessiva e injustificada, de se sentir especial. 

Veja nosso calendário completo aqui.

By The School of Life

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