
01/27/2023
Autoconhecimento
Como Controlar Seu Crítico Interno
Um dos aspectos mais curiosos de ter algum problema de ordem psicológica é que, para encontrarmos o caminho da cura, precisamos compreender e nos interessar mais pelo funcionamento da mente, a fim de entender onde dói e de que formas podemos nos ajudar.
Ocorre que, nesse processo, é bastante comum sermos acometidos por um problema particularmente nocivo que é o fato de, ao começar a ter clareza sobre nossas questões, nos tornarmos ansiosos e autocríticos. Perceber que nossa mente não é prefeita e não funciona da forma “ideal” pode facilmente nos levar a odiarmos a nós mesmos. Somos afligidos por uma sensação de que não merecemos existir e que nunca seremos bons o suficiente.
Aqui, precisamos parar para compreender alguns conceitos básicos. Segundo a psicologia, existe uma parte da mente humana denominada consciência que detém uma série de faculdades cognitivas e que observa se estamos nos saindo bem em relação ao que devemos fazer, às exigências do mundo e à regulação de nossos desejos e apetites. Nossa consciência monitora quanto esforço estamos fazendo em nosso trabalho, nossa proporção de descanso em relação ao trabalho e nosso grau de indulgência sensual. Em suma, é a nossa consciência que nos avisa quando basta: já jogamos, namoramos ou comemos o suficiente.
Por mais útil que essa função possa parecer, é extremamente comum para muitos de nós que a consciência esteja desequilibrada. Assim, em vez de ocasionalmente nos cutucar e redirecionar em direção à virtude, é como se ela estivesse permanentemente gritando, ofendendo e nos atacando quando uma falha é percebida: nossa consciência, frustrada, berra que nada do que fazemos é bom o suficiente, que somos hedonistas e só pensamos em nos divertir, que não temos o direito de ter uma tarde de folga, muito menos de tirar férias, e que o pior está por vir por causa dessa nossa natureza pecaminosa. Então, sem nos darmos conta, a ansiedade e o autodesprezo tornam-se um estado padrão.
Freud teve uma visão simples, mas brilhante, de que nossa consciência é formada a partir do resíduo das vozes de nossos pais. Freud chamou a consciência de “superego” e propôs que ela continua a falar conosco da mesma forma como nossas figuras paternas faziam.
Para os sortudos que tiveram figuras paternas razoáveis e gentis, é natural desenvolver uma consciência benigna. Se falharmos hoje, podemos tentar novamente amanhã. Acreditamos no nosso valor interno, mesmo se não formos populares ou se tivermos sido rejeitados no amor. Merecemos um descanso. O sexo é permitido. As guloseimas fazem parte da vida. Podemos ficar ociosos por um tempo. Estamos bem como estamos.
Mas para muitos outros (talvez a maioria de nós), nossa consciência emula as piores falas e afirmações dos arquétipos parentais autoritários e punitivos. Quando as coisas dão errado, concluímos rapidamente que seria melhor desistirmos de tudo. Que não temos valor. Que não servimos pra nada.
Uma das medidas que podemos tomar para melhorar a saúde mental é perceber (perceber de fato) que esse drama está acontecendo dentro de nós. Parece estranho dizer isso, dada a importância, mas geralmente não temos a menor ideia de que fazemos isso; a autocrítica se tornou tão familiar que deixa de ser notada. Confundimos essa voz interna crítica e feroz com nós mesmos – ou pior, com o “bom senso”.
Portanto, um primeiro passo crucial é aprender a distinguir entre nós e nossa consciência. Devemos ver nossa consciência como um personagem (porque, de fato, é o que ela é, uma persona). Precisamos dizer a nós mesmos: “Tenho um crítico interno punitivo e ele é muito injusto comigo, está até tentando me invalidar como ser humano. Ele está falando comigo, dentro de mim, mas isso não é quem eu sou: é uma voz que eu aprendi a imitar desde a infância e que posso aprender a expulsar da minha mente com o tempo.
Podemos então começar a questionar o crítico. É realmente justo dizer que nossa vida é totalmente sem valor? Com certeza fizemos besteira, erramos, poderíamos ter tido melhores resultados. Mas será que realmente não merecemos compaixão nem perdão? Será que nada em nós é bom de alguma forma? Será que pensaríamos em tratar um amigo (ou mesmo um inimigo) da maneira como estamos tratando a nós mesmos?
Quando crianças, não tivemos escolha sobre quem tínhamos de ouvir e obedecer, mas agora temos poder de decisão. Podemos retreinar nossas mentes, percebendo antes de tudo de que forma elas foram doutrinadas e por que isso não nos faz bem nem nos ajuda a avançar. Adquirimos hábitos cruéis e questionáveis de autodepreciação, que, ao contrário do que podem parecer, não são construtivos e não estão nos ajudando a sermos mais disciplinados, nem produtivos, nem felizes.
Para nos reciclarmos, precisamos de outras pessoas. Pessoas capazes de nos amar da forma que somos e preencher nossa mente com perspectivas novas e mais gentis. Precisamos ousar nos apoiar nelas (o que não é fácil para quem não se sente merecedor de afeto) e pedir sua ajuda para domar essa desagradável voz interna. Devemos parar de tentar ser obedientes e submissos com relação aos ataques internos que sofremos. Em vez disso, precisamos ao menos tentar ficar indignados com o fato de termos de conviver com esse tipo de crítica e questionar por que nosso primeiro impulso é, com tanta frequência, perdoar a crítica e a figura paterna que a inspirou e nos culpar por nossa estupidez.
Precisamos sentir compaixão por essa criança tão injustamente criticada que fomos e começar a se irritar com as pessoas certas: aqueles que não souberam acolher nossos erros com ternura. É claro que, ocasionalmente, precisamos nos repreender e nos esforçar mais, sem dúvida. Mas a verdadeira conquista é saber como evoluir de forma gentil. É saber como conseguir crescer e avançar jogando do próprio lado – e não contra.
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