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Como a Saúde Mental Impacta Nossos Corpos

O Corpo Guarda as Marcas é o belo e sugestivo título de um livro publicado em 2014 por um professor holandês de psiquiatria da Universidade de Boston chamado Bessel van der Kolk. O livro se mostrou imensamente significativo porque enfatiza uma ideia que por muito tempo escapou a psiquiatras e psicoterapeutas. Van der Kolk ressalta que pessoas que sofrem emocionalmente dificilmente o fazem apenas em suas mentes. Fundamentalmente, os sintomas quase sempre também aparecem no corpo: na forma como se sentam ou respiram; em como sustentam os ombros, nos padrões de sono, nos processos digestivos, na maneira como cuidam da coluna e nas atitudes em relação ao exercício físico.

Levar o corpo mais a sério abre novas possibilidades tanto para o diagnóstico quanto para o tratamento do sofrimento emocional. Em vez de simplesmente ver a pessoa como uma mente desencarnada que deve alcançar a cura, um terapeuta é aconselhado a ver o corpo como uma espécie de planilha das experiências emocionais que seu dono viveu – uma planilha que deve ser lida e cuidada com tanta atenção quanto qualquer relato mental.

Para dar um exemplo: muitas pessoas que cresceram tendo que lidar com a raiva esmagadora de um dos pais, aprenderam a reprimir sua própria raiva e seu desejo de revidar contra aqueles que as machucaram. Em suas mentes, tornaram-se dóceis e extremamente atentas em satisfazer os desejos dos outros, por mais irracionais que fossem. Mas, igualmente importante, em seus corpos, aprenderam a permanecer muito quietas, quase congeladas, porque uma parte delas associa a expressão de qualquer coisa exuberante ou poderosa ao risco de provocar retaliação dos outros.

Essas pessoas podem se sentar de forma particularmente rígida e ter uma resistência enraizada a praticar corrida, o que não tem nada a ver com preguiça: o que está em jogo é o medo de sua própria vitalidade.

Ao tentar tratar essas pessoas, Van der Kolk vai além de recomendar a tradicional terapia de conversa. Ele também sugere que experimentem – sob a supervisão de um professor treinado terapeuticamente – kickboxing ou karatê, corrida competitiva ou natação – esportes que talvez tenham evitado por muito tempo devido à relação reprimida com sua força. Também podem experimentar cantos rítmicos ou tambores, liberando assim desejos reprimidos de afirmar seu direito de existir.

Pessoas traumatizadas tendem a ter corpos que estão alerta demais – reagindo a cada respiração e toque, estremecendo e se arrepiando com o contato. Ou então, anestesiados demais, fechados, pesados e imóveis. O tratamento busca encontrar um ponto intermediário mais confortável entre esses dois extremos.

Como parte de seu trabalho, Van der Kolk e sua equipe abriram em Boston uma clínica de integração sensorial, uma espécie de playground interno para crianças e adultos, onde é possível reconectar-se com um corpo que não foi devidamente, e por mãos amorosas, tocado ou abraçado, suavemente balançado de um lado para o outro ou pendurado de cabeça para baixo em um momento de riso. Na clínica de integração sensorial, sob a orientação de um terapeuta, pode-se rolar em colchonetes cheios de espuma, mergulhar em uma piscina de bolinhas, pular em um balanço e se equilibrar em uma trave. Parece infantil – e é para ser –, oferecendo uma chance séria de voltar um passo atrás para corrigir uma alienação de longa data.

Aqueles que foram negligenciados por pais emocionalmente limitados muitas vezes se afastaram quase literalmente de seus próprios corpos. “Possuem” seus corpos, mas não vivem plenamente neles. Podem sentir-se profundamente desconfortáveis se alguém tocar seus ombros ou acariciar suas costas. Podem, intuitivamente, pensar que seu corpo é “nojento”, porque foi assim que parecia aos olhos de quem deveria ter cuidado deles. Para essas pessoas, Van der Kolk pode recomendar uma massagem conduzida terapeuticamente para ajudar a reconstruir uma confiança básica na própria pele e nos membros. Como ele coloca, deseja que “o corpo tenha experiências que contradigam profunda e visceralmente a impotência, a raiva ou o colapso resultantes do trauma.”

Sem dúvida, é profundamente infeliz que um passado difícil nos dê sintomas físicos além de mentais. Mas os sofrimentos do corpo podem também se tornar uma fonte de memória e evidência, quando nossas mentes travaram ou duvidaram fatalmente da legitimidade de seus próprios sentimentos. Podemos começar a lembrar o que pode ter acontecido conosco fazendo perguntas em terapia e, ao mesmo tempo, observando como estamos sentados, como respiramos e como nos sentimos quando alguém que amamos propõe nos abraçar. Então podemos ter esperança de cura, não apenas por meio de argumentos sábios e vozes gentis (por mais consoladoras que sejam), mas também dançando, balançando, entoando em uníssono ou – melhor de tudo – nos entregando a um abraço muito longo e acolhedor de alguém em quem ousamos, silenciosamente, confiar.

By The School of Life

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