
06/18/2025
Uma inesperada lição de bondade na pintura holandesa
Rembrandt nasceu em 1606 e, ainda jovem, tornou-se um artista de enorme sucesso. Ganhou muito dinheiro e levou uma vida marcada pelo luxo e pela extravagância.
Mas a fortuna não durou. Por volta dos cinquenta anos, estava praticamente falido. Precisou vender sua casa e todos os objetos que havia colecionado. Em uma sociedade como a da Holanda do século XVII – onde disciplina e prudência eram qualidades centrais – a falência era vista não só como um fracasso, mas como uma vergonha. E, claro, como algo inteiramente merecido.
Foi nesse momento de ruína que Rembrandt pintou um autorretrato profundamente honesto. É possível ver, no olhar cansado, que ele não está tentando justificar seus erros. Ele sabe que não inspira pena. E não tenta inspirar.
Essa imagem se conecta a uma história conhecida: a parábola do filho pródigo. Um homem jovem, impulsivo, pede sua herança antecipada, vai embora e desperdiça tudo em festas. Quando retorna, arrependido, espera punição. Mas o pai que o recebe não oferece julgamento, e sim acolhimento. Não há sermão. Só um abraço silencioso e compreensivo.
Rembrandt se vê nesse filho. Ele sabe que falhou — com os outros, consigo mesmo. Mas a pintura não pede condenação. Ela sugere algo mais raro e, talvez, mais necessário: compaixão.
Essa ideia reaparece em outra obra comovente, uma gravura modesta chamada Cristo pregando. Curiosamente, ela não se passa em Jerusalém do século I, mas numa rua comum da Holanda do século XVII. Em vez de santos e mártires, o público de Jesus inclui figuras bem menos inspiradoras: agiotas, alcoviteiros, bêbados, patrões cruéis. Pessoas difíceis de gostar.
Rembrandt parece nos dizer que é justamente para elas — e talvez também para nós, em nossos dias piores — que a mensagem de amor está sendo dirigida.
Se ele pintasse essa cena hoje, talvez visse entre a multidão um político manipulador, um influenciador vazio, um executivo cínico, ou alguém que fez mal a quem mais amava. Ainda assim, a mensagem seria a mesma: “Você é amado”. Não porque merece. Mas porque é humano — e o amor verdadeiro começa quando não é mais possível justificar.
A maior lição de Rembrandt talvez seja esta: que nossa bondade não pode depender do merecimento alheio. Se só formos gentis com quem achamos que merece, corremos o risco de nos afastar daquilo que nos torna mais humanos.