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Conversas artificiais, ou: como ter uma verdadeira DR

Conversas artificiais, ou: como ter uma verdadeira DR

Conversas e uma boa comunicação são consideradas a base de qualquer relacionamento próspero e saudável. Ocorre, porém, que nossa cultura costuma nutrir uma imagem distorcida do que isso envolve. Tendemos a adotar uma idealização romântica, que defende a ideia de dois parceiros se entendendo intuitivamente, entre os quais conversas fluem de forma livre e espontânea. Pareceria frio e artificial introduzir regras, recorrer a um manual ou fazer um curso sobre “como conversar com seu parceiro”.

 

Mas o fato é que é muito comum termos dificuldades nessa área. E, quando questões difíceis estão em jogo, acabamos emburrados num canto, girando em falso ou mesmo entrando numa briga. Um sinal particularmente pungente do nosso problema em conversar sobre o próprio relacionamento é a tendência que temos de ficar de mau humor. No fundo, o mau humor é uma mistura de muita raiva com um desejo intenso de não comunicar o motivo dessa raiva: a pessoa quer desesperadamente ser compreendida, mas é incapaz de se explicar claramente. Isso acontece com muita frequência e nos diz que, longe de ser fácil e natural, promover uma boa discussão de relacionamento (a famosa “DR”) pode ser muito difícil.

 

Uma boa comunicação significa essencialmente a capacidade de dar a outra pessoa uma imagem precisa do que está acontecendo em nossa vida emocional e psicológica – incluindo, com honestidade, o lado mais sombrio e complicado desse cenário – de tal forma que essa pessoa possa entender e até mesmo simpatizar conosco. O bom comunicador tem a habilidade de levar a pessoa amada, de forma oportuna, tranquilizadora e gentil, sem melodrama ou fúria, a algumas das áreas mais nebulosas de sua personalidade e explicá-la o que está acontecendo ali (mais ou menos como um guia turístico em uma zona de desastre), mostrando o que é problemático, mas sem deixar pessoa amada aterrorizada, uma vez que a ideia aqui é que ela possa vir a entender e talvez até perdoar e aceitar quem somos.

 

A razão pela qual não somos naturalmente hábeis em fazer isso é justamente porque não conseguimos encarar boa parte dessas nossas zonas sombrias. Sentimos vergonha, não compreendemos bem os mecanismos e, portanto, não estamos em posição de apresentar nossas profundezas de forma sensata a um observador externo, cujo afeto queremos manter.

 

Talvez você tenha desperdiçado completamente seu dia na internet. Ou esteja se sentindo atraído por outra pessoa. Ou vivenciando um turbilhão de inveja por um colega cujo desempenho no trabalho parece melhor do que o seu. Ou dominado pelo arrependimento que algumas decisões estúpidas suas causaram. Ou talvez seja um medo muito grande com relação ao futuro: tudo vai dar errado, você tinha uma vida e a desperdiçou. Há coisas dentro de nós que são simplesmente tão terríveis e mal digeridas que não conseguimos colocá-las diante de nossos parceiros – ou pelo menos não de uma forma que os façam compreendê-las com calma e generosidade.

 

Não deveria ser um insulto para um relacionamento perceber que há uma falta de eloquência mútua e que isso provavelmente exigirá algum nível de artificialidade. Nossa necessidade de ajuda costuma ser especialmente aguda em relação à raiva, aos desejos que parecem estranhos e à necessidade de segurança (que tende a surgir quando sentimos que não a merecemos). Não devemos achar que somos fracassados, estúpidos, sem imaginação ou pouco sofisticados por reconhecer uma necessidade prática de aprender a conversar com nossos parceiros partindo de um planejamento e com um propósito consciente. Estamos apenas nos libertando de um preconceito romântico.

 

Uma conversa artificial pode parecer uma ideia bastante estranha. Mas o que ela envolve é apenas definir deliberadamente uma agenda e colocar em prática alguns movimentos e regras úteis.

 

Por exemplo, durante a hora do jantar, você e seu parceiro ou parceira podem aos poucos começar a percorrer uma lista de perguntas difíceis, porém importantes, que, de outra forma, provavelmente seriam deixadas de lado:

 

“Nessa relação, em que aspectos você gostaria de ser elogiado?”

“Em que sentido você se entende especialmente bom como pessoa?”

“Quais de seus defeitos você gostaria que fossem tratados com mais generosidade?”

“O que você diria a seu eu mais jovem sobre o amor?”

“O que você acha que eu possa ter entendido errado sobre você?”

“Por qual incidente eu acho que lhe devo um pedido de desculpas?”

“Por qual incidente você acha que eu deveria lhe pedir desculpas?”

“De que maneiras eu já lhe decepcionei?”

“O que você gostaria de mudar em mim?”

“Se eu tivesse a chance de magicamente mudar algo em você, o que você acha que seria?”

“Se você pudesse escrever um manual de instruções sobre si mesmo na cama, o que colocaria nele?” (Peguem um pedaço de papel cada um e escrevam três coisas novas que gostariam de experimentar em relação ao sexo, e então troquem os papéis.)

 

Outro exercício proveitoso que um casal pode fazer é completar as frases abaixo sobre os sentimentos de um em relação ao outro. A ideia aqui é completar rapidamente, sem pensar muito. É claro que as respostas que emergirem não devem ser tomadas como uma sentença imutável, mas isso ajuda a lançar luz sobre possíveis incômodos que merecem ser examinados adequadamente e com mais calma.

 

“Eu me ressinto…”

“Estou intrigado com…”

“Estou magoado com…”

“Eu me arrependo de…”

“Tenho medo de…”

“Estou frustrado com…”

“Fico mais feliz quando você…”

“Eu quero…”

“Eu aprecio…”

“Espero que…”

“Eu gostaria muito que você entendesse…”

 

Faz parte do artifício aqui concordar antecipadamente sobre não se ofender com o que o outro diz, embora seja bastante provável que virão à tona algumas coisas desconcertantes. Em vez de dizer coisas do tipo “como você se atreve a dizer isso” ou “eu sempre suspeitei que você era uma pessoa horrível”, prepare-se com antecedência (para o bem do relacionamento) para dizer algo como: “Estou ouvindo e quero entender, você pode me dar mais detalhes?”. A ideia é criar uma ocasião em que, pela primeira vez, seja possível analisar com cuidado os aspectos genuinamente embaraçosos da relação. O pressuposto de fundo útil é: é claro que não vai ser nada fácil, pois não é possível ter um relacionamento íntimo sem que haja muitos pontos sensíveis em ambos os lados. Não vamos (neste momento) ficar com raiva um do outro. Vamos entender o que está acontecendo.

 

Também é possível tentar um exercício de desenvolver juntos as frases a seguir:

 

“Quando estou ansioso por conta do nosso relacionamento, tenho a tendência de… Você costuma responder com…, o que faz eu me sentir…”

“Quando discutimos, por fora eu demonstro…, mas por dentro me sinto…”

“Quanto mais eu…, mais você… e, então, o que acontece é que…”

 

O objetivo aqui é descobrir padrões de interação e como eles são interpretados quando observados de ambos os lados. Estamos tentando identificar sequências repetitivas de emoções. Não para validá-las ou condená-las, mas para entendê-las. A premissa dessa conversa artificial é que nós dois não estaremos totalmente cientes de algumas das coisas que acontecem entre nós. Durante a conversa, é importante que ninguém seja responsabilizado. Estamos apenas aprendendo a perceber alguns problemas na forma como interagimos.

 

Os relacionamentos se sustentam na nossa (in)capacidade de se fazer conhecido, perdoado e aceito da forma que somos. Não devemos ficar supondo que, se tivermos uma discussão sobre essas questões, a oportunidade terá sido desperdiçada. Precisamos ser capazes de dizer certas coisas dolorosas a fim de recuperar a capacidade de sermos afetuosos e confiantes. Tudo isso faz parte da sabedoria e da tarefa embutidas uma conversa um tanto artificial, porém estruturada e emocionalmente consciente.

 

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By The School of Life

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